A analogia entre o fly e uma árvore é possível quando analisamos todo o complexo universo que o fly se transformou.
A raiz é a sua essência e a origem da seiva bruta. É o que dá sustentação teórica e nutrição para todo o restante do organismo, sendo que o comprometimento do seu estado de saúde abalará o que ela sustenta, por isso, sempre será nosso ponto máximo de equilíbrio. Todos os nutrientes necessários para sua criação já estão incorporados e bem estabelecidos. Por sua vez, a raiz está enterrada e sofre pouca influencia do meio externo. Mas, se a sua memória se perder, o coração e a alma do fly se perderão.
Nos primórdios do fly, os seus primeiros praticantes formavam um tronco único e forte. Todos possuíam um objetivo comum: o desenvolvimento do flyfishing; crescendo juntos ao encontro da luz. Porém, com a globalização de sua arte, o fly ganhou novos horizontes e multiplicou seus adeptos. Seus primeiros galhos eram fortes e brotavam bons frutos e folhas.
Alguns galhos novos desenvolveram sua própria autonomia, podendo influenciar na formação de seus frutos e folhas. Outros, cresceram distanciando-se dos seus galhos vizinhos, chegando a desconhecer que são originados pelo mesmo tronco. Estes, possuem grande carga teórica, consagrando-se como formadores de opinião, podendo contaminar, com sentimentos ruins, a seiva bruta que será levada as suas folhagens.
As folhas, por sua vez, também possuem uma grande importância para todas as estruturas da árvore. São elas que realizam a fotossíntese, produzindo seiva elaborada que as nutrirão e que será distribuída para todo seu organismo. Esse feedback nutricional mostra a total relação de interdependência entre as partes da planta.
Para nós, folhas, é muito bom crescermos ao céu, conhecer novos ares e adaptarmos nossas técnicas de acordo com o ambiente em que somos expostos. Isso é ótimo, mas pode não ser seguro, pois folhas podem ser arrancadas e galhos podem ser quebrados.
O legal seria se tivéssemos todo conhecimento, proteção e segurança que possuem as raízes, mas que pudéssemos ver a luz do dia e respirar ar puro. Para isso, os vegetais desenvolveram as raízes aéreas respiratórias, que nada mais são do que raízes adaptadas ao seu ambiente, que crescem verticalmente e se desenterram, partindo em busca de oxigênio na atmosfera, mas que, ao mesmo tempo, nunca se desprendem das suas raízes originais, preservando, assim, sua essência.
Os questionamentos são muitos para compreender todos os mecanismos fisiológicos de crescimento da árvore flyfishing. A questão é: Por maior que seja todo nosso respeito e admiração que temos ao fly puritano, como seria possível ele não sofrer nenhuma “modificação”/adaptação quando aplicado em um país como o Brasil, que possui uma diversidade de peixes, insetos, biomas, clima e relevo infinitamente maior e diferente do seu país de origem? Sem levar em conta do quanto nossa cultura é miscigenada, rica e linda.
Possuímos o maior patrimônio biológico do mundo. Estão catalogadas em nossos seis biomas cerca de 55 mil espécies de plantas com sementes, 530 de mamíferos (com mais de 50 primatas), 1,8 mil aves, 800 de anfíbios, 680 de répteis e cerca de 3 mil de peixes. Mesmo com todos esses números, os pesquisadores mais respeitados estimam que apenas 10 % da zoologia brasileira é conhecida e estudada. Calcula-se que a cada ano no Brasil são descobertas cerda de 1,5 mil novas espécies, sendo que nesse ritmo, dizem eles, que precisaríamos de 800 mil anos para conhecer toda nossa biodiversidade.
Voltando a nossa árvore. É claro que a base concisa da formação de um bom mosqueiro está nas técnicas originais e qualquer adaptação ao ambiente que ele esteja inserido não deve ferir a sua essência. É insubstituível o bom conhecimento teórico de nossas raízes, pois não existe prática sem teoria.
Só espero que essas adaptações sofridas, seja por necessidade ou por uma vontade do pescador em agregar novos valores em seu ambiente de pesca, não sejam interpretadas como brincadeiras ou desrespeito às raízes do fly ou aos demais galhos e folhas que compõem nosso sistema.
Nosso clima quente mantém alta a temperatura de nossas águas, consequentemente eleva o metabolismo de nossos peixes, forçando-os a se alimentarem com maior frequencia. A diversidade de insetos é tanta que chega a confundir o mosqueiro mais experiente sobre qual mosca ele deverá atar em seu tippet. Mas não se preocupe, pois essa grande entomodiversidade brasileira também confunde o próprio peixe insetívoro, deixando-o menos seletivo. Além disso, a competição alimentar nos cardumes de águas tropicais deixará o peixe mais espontâneo aos ataques das moscas. Portanto, aqui é o lugar para criar, descobrir, mergulhar, desfrutar dos nossos biomas, adaptar técnicas, agregar novos valores e desenvolver nossas próprias moscas, seja com espinho de paineira ou fibra de molongó. Sempre estaremos grudados no tronco dessa incrível e alucinante árvore chamada flyfishing. Divirta-se!
Feliz 2010! Equipe GO FLY!
Por: Leandro Vitorino
Fotos: Saymon Catoira