terça-feira, 30 de agosto de 2011

PRIMAVERA MOSQUEIRA NO CERRADO

Texto: Leandro Vitorino
Fotos: Kelven Lopes e Leandro Vitorino

     A primavera é uma estação muito especial e nos reserva surpresas agradáveis, tanto dentro como fora d’água. O cerrado possui um clima semi-árido e na primavera ele adquire o pico máximo de sua sequidão. Durante o dia temos um calor intenso acompanhado de uma baixa umidade do ar, à noite o clima se refresca com uma brisa que sopra suave, o que faz com que a maioria dos animais do cerrado tenham hábitos noturnos, principalmente os de médio e grande porte.

     A paisagem seca de agosto se contrasta com o colorido intenso dos ipês, das mais variadas flores e dos frutos endêmicos do cerrado, como o barú, pequi e o cajuzinho. O cajuzinho do cerrado é sem dúvida um dos frutos mais lindos e apetitosos que eu conheço. O cajuzinho está maduro no início da primavera, final de agosto e início de setembro, a sua coleta se faz andando pelo cerrado afora e é um divertimento ímpar. A “carne” do cajuzinho é suculenta, adocicada e levemente ácida.
Para quem aprecia uma cachaça, o cajuzinho é um ótimo acompanhamento

     Chegando mais próximo da água, observamos que a água dos pequenos rios está mais transparente do que no restante do ano.

Vamos à pesca?
     Esse ano a primavera chegou mais cedo em Goiás, não sei dizer se foi o aquecimento global ou simples coincidência, mas as aperências da paisagem de agosto já mostram não se tratar apenas do prelúdio da primavera.

     Meu melhor vadeo de primavera foi há poucos dias, acompanhado do amigo Kelven Lopes, zootecnista de formação e mosqueiro de paixão. Kelven já pesca com fly há vários anos, mas segundo ele, a pirapitinga fez despertá-lo para uma filosofia de fly mais intensa, purista e ao mesmo tempo com identidade brasileira. Esse é exatamente o mesmo sentimento que tive quando conheci as pirapitingas do cerrado.

     Imaginem um rio de águas correntes e cristalinas, de temperatura agradável, com mais de 15 metros de visibilidade, com profundidade média de 80 centímetros e com largura média de 10 metros, contendo água potável com minerais muito saborosos. Seu leito corre abraçado a uma magnífica mata ciliar preservada. Pelo que descrevi o local nem precisaria ter peixe para se tornar paradisíaco, mas o melhor é que ainda possui uma boa população de pirapitingas-do-sul, que alcançam até 40 centímetros e um quilo de peso. Esse porte não impressionaria ninguém se não se tratasse de uma pirapitinga, um peixe com força desproporcionalmente maior do que o seu tamanho, saltador por natureza e arisco por destreza, que testa todas as qualidades do mosqueiro.
       Pirapitingas, foto-sub: Leandro Vitorino

     O cerrado brasileiro esconde belezas intocadas, onde a vida selvagem esboça sua plenitude sem a interferência humana.
                        Acará azul macho com seu "cupim", foto-sub: Leandro Vitorino
     O fim do inverno e a chegada da primavera significa climas mais quentes o que acarreta aumento da procura de alimento pelos peixes, representando também a época em que os insetos aquáticos sofrem metamorfose para a fase adulta (alada) fora da água.
Dragonfly
 
     Se o inverno é a estação das ninfas, a primavera é a estação das formas adultas aladas. É na primavera, com as pedras expostas nas margens, que nos deparamos com algumas cascas secas de Mayfly, outras de Dragonfly e uma quantidade impressionante de cascas de Stonefly.

Cascas de Stonefly sobre as pedras
Stonefly adulta
     A pesca se torna fascinante não só pelo fato de pegarmos o peixe, mas também quando entendemos por que o pegamos. Isso se desenvolve naturalmente quando o mosqueiro se dedica a uma espécie e observa atentamente todo seu ambiente. Essa maturidade mosqueira dá ao mosqueiro um conjunto de táticas de “ataque” ao pesqueiro, diminuindo, assim, a chance de errar.

     É com essa linha de pensamento que convidamos você à curtir com a gente uma grande aventura pirapitingueira em que kelven Lopes (consultor do Ministério da Pesca) realizou com o GO FLY num incrível vale de serra goiano.

     Para quem curte o flyfishing em sua raiz, o vadeo rio acima casteando única e exclusivamente moscas secas se torna um platô na pesca com mosca.

Vamos lá...

     Chegamos no rio pela manhã, justamente um dia depois da região ter passado por uma frente fria, o que nos deixou receosos em relação ao sucesso da pescaria.

     No caminho para nosso primeiro ponto os primeiros raios de sol aqueciam as plantas, que exalavam o aroma da primavera, agradando nosso olfato. Percebi que aquele ambiente familiar nos reservava algo diferente. Toda essa aclimatação durante a caminhada nos fazia sentir extremamente serenos. São momentos em que conversamos com nossa própria alma, acalmados pela sonoplastia da natureza, ouvindo o barulho da água, dos pássaros e de outros animais.

     Logo no primeiro ponto uma Mayfly paira no ar e pousa em minha mochila... mais acima uma ninfa de Dragonfly se expõe ao sol para se livrar de sua casca...mais adiante, cascas frescas de Stones sobre pedras e logo ao lado, uma bela Stone adulta tingia as pedras escuras com seu tom amarelado... Depois da leitura da entomologia do ambiente nosso receio se foi por inteiro, surgindo um suspiro de tranqüilidade e a intuição de saber o que fazer...
Mayfly adulta
                                                     Stonefly (Mosca da pedra)
     Quando pescamos pirapitingas próximos a cachoeiras intransponíveis pelo peixe, a pirapitinga se torna um alvo relativamente fácil. A grande concentração de peixe e a maior profundidade do poço na cachoeira torna o peixe menos arisco. Além disso, o barulho da queda faz nossa aproximação passar despercebida, além da espuma que obscura a visualização do peixe para fora d’água. Todos esses fatores agem a favor do mosqueiro, fazendo com que o mesmo possa fazer, algumas vezes, mais de uma captura no mesmo local.
     Quando pescamos pelo rio, fora das cachoeiras, passando por corredeiras rasas, mas que não privam o peixe de se movimentar ao longo do rio, aí sim a pesca da pirapitinga se torna muito mais tática e exigente, não permitindo erros por parte do mosqueiro. Essa é uma situação em que o mosqueiro deve agir como um gato que espreita um pássaro, aproximando silenciosamente para então atacá-lo. A ansiedade e os atos afobados são elementos que não combinam com a pesca de pirapitingas. São todas essas dificuldades que modelam o pescador e o obrigam a refinar sua técnica, mas que são plenamente convertidas em prazer e satisfação após a captura.

     Mesmo sabendo que a primavera é uma ótima oportunidade para se pescar com mayflies e stoneflies adultas, tentaríamos a pesca com umas tanajuras e uns grilos que estavam em fase de teste. As tanajuras fazem revoadas sazonais principalmente em novembro aqui no cerrado. Mesmo sendo mais comum durante o verão, os grilos ocorrem o ano inteiro, por isso eles podem ser usados o ano inteiro, sem restrições quanto a sazonalidade. Por essa questão de sazonalidade, sabíamos que a tanajura ainda não alcançaria seu pico máximo de produtividade, mas mesmo assim resolvemos testá-la, para quando chegarem as revoadas de tanajuras nos estarmos bem preparados.
     Assim que chegamos, Kelven leva três "estouros" na superfície e num deles seu tippet é quebrado por uma grande pirapitinga. Lá se vai uma tanajura mordiscada descendo pela correnteza... Desânimo? Nunca!

     No próximo arremesso Kelven tem sua primeira pirapitinga da manhã em outra tanajura.
            Dry Tanajura

     Após algumas ações perdidas na Dry Tanajura de EVA, percebi que o abdome da mosca estava meio grande, atrapalhando a pirapitinga morder o anzol. Observo minha caixa de moscas e vejo uma mais “magrinha”, ato-a e apresento-a ao lado de uma pedra que rebatia a correnteza do remanso... SSSPLOWWW!!!... Um risco acompanhado de uma forte explosão na água. Tá aí meu primeiro Brycon do dia. Seus saltos naquela água cristalina faziam reluzir a cor laranja de suas nadadeiras.
     Realmente, uma grande luta, mas que sucumbiu na quase amputação do abdome da minha única tanajura de abdome fino que havia em minha flybox. Por esse motivo deixamos as tanajuras descansar e demos início a “grilagem”.

     Nos primeiros casts já tomamos inúmeras ações. As marcas das dentições nos grilos de EVA nas ações perdidas denunciavam algumas grandes pirapitingas.

     Dos 10 grilos de EVA que tínhamos apenas um saiu ileso após as intensas mordidas e batalhas com as pirapitingas.

    
     Kelven, que já havia experimentado a pesca das pirapitingas da Bacia da Prata, ficou magnetizado pelas pirapitingas da Bacia do Tocantins, que possuem um alaranjado mais vivo. 
 
     “Mosquear” pirapitingas com moscas secas é realmente uma experiência que todo mosqueiro deveria experimentar, pelo menos um dia na vida.

     Depois de mais de 5 km de caminhada, com 15 pirapitingas capturadas, fotografadas e soltas, além de mais de 20 perdidas, após ataques cinematográficos.
     Termino aqui mais um dia de aventura mosqueira na primavera do cerrado agradecendo a companhia do amigo kelven, o qual tive o prazer de conhecer na última Clínica de Atado e Arremesso GOFLY, mostrando que além de servir como mecanismo de troca de experiências, nossos encontros também geram ótimas amizades.
     Até a próxima...