segunda-feira, 17 de outubro de 2011

TRUTAS SELVAGENS LAGEANAS

Por Rogério Batista (MOSCA N’ÁGUA) e Leandro Vitorino (GO FLY)
     Por vezes ficamos inertes, mergulhados em pensamentos interrogativos sobre o sentido da vida. Por que pescamos com tanto amor? Por que escolhemos a mosca? Assim que vimos o primeiro peixe, ainda criança, um instinto é disparado em nossa mente, acendendo uma paixão descontrolada. Nisso, uma nova curva de aprendizado é iniciada, que principia no dia desse disparo e só termina após percorrer toda nossa vida e, para os bons merecedores, ainda continuará nas águas do paraíso.
     Para o pescador aficionado, a pesca da truta é uma das que nos oferece momentos em que nos sentimos verdadeiramente mosqueiro, encontrando um dos sentidos da nossa existência, fazendo com que a vida valha à pena.
     A truta, símbolo mundial do flyfishing, se encontra inserida em alguns ecossistemas brasileiros de forma harmônica, aparentemente não ameaça nenhuma de nossas espécies nativas, já que se encontram ilhadas em pequenos rios de alta altitude. A necessidade de um clima frio é o maior fator limitante para abrangência de suas áreas de ocorrência no Brasil. Existem relatos imprecisos da data exata da sua introdução, alguns falam em mais de 50 anos.
     Por ser uma espécie exótica (estrangeira), o interesse dos biólogos em estudar as trutas selvagens acaba ficando comprometido. Por isso ainda não se sabe ao certo como as populações conseguem se manter na região, se é por reprodução no próprio meio selvagem ou se é resultado de peixamentos freqüentes de alta densidade. Se esses dois mecanismos estão presentes, qual deles é o maior responsável pela manutenção de seus indivíduos? Qual a porcentagem de importância cada um exerce nesses cardumes? Qual a época exata de sua reprodução em meio selvagem? Ocorrem migrações? No momento, a ausência de estudos compromete a elaboração de uma resposta bem definida.
     O fato é que se realmente houver uma população se reproduzindo naturalmente, o peixamento pode estar prejudicando essa população selvagem adaptada que já passou pela seleção natural. Os organismos dotados das características mais adaptativas tendem a sobreviver e gerar descendentes em maior número do que aqueles desprovidos dessas características. A seleção natural estabelece uma "taxa diferencial de reprodução". Sabemos que os alevinos ou juvenis introduzidos por peixamento são originados de um pequeno número de matrizes, possuindo, portanto, uma baixíssima variabilidade genética e não adaptada, que compete espaço e alimento com os indivíduos selvagens já adaptados. Essa baixa variabilidade do conjunto gênico deixa os indivíduos com mais chance de manifestar genes deletérios além de uma maior susceptibilidade a agentes patológicos que podem dizimar toda a população. Ao contrário disso, se tivéssemos uma alta variabilidade genética da população selvagem, maior seria a chance de existir genes resistentes a essas patologias. Estudos também apontam um índice menor de reprodutividade em indivíduos homozigóticos. Enfim, o peixamento estaria prejudicando a formação de uma “população ideal” (população mendeliana) e impedindo-os de crescer e desenvolver o máximo do seu potencial genético?
     Visto tudo isso, por que não desenvolver projetos de estudo e proteção das trutas selvagens em território brasileiro? Só porque são espécies estrangeiras? Então, o que nós, descendentes de europeus, africanos e asiáticos estaríamos fazendo por aqui? Vista no aspecto econômico, a truta já provou beneficiar os municípios que são influenciados pelo turismo da pesca; contribuem na melhora da qualidade de vida dos praticantes da pesca com mosca; podem estabelecer medidas que preservam o meio ambiente, uma vez que exigem rios saudáveis.
     Vamos à pesca...
     A região sul e sudeste do Brasil foi agraciada com a presença desse bem vindo estrangeiro. Os municípios de Lages e Painel são um desses locais que guardam essa nobreza. Pelos relatos de sua presença há mais de 60 anos, podemos considerar a truta como naturalizada brasileira, itinerário é que não a falta.
Stonefly recém eclodida
    Fui para Lages (SC) acompanhado do amigo Rogério Batista (Mosca N’água) que me levou pra fisgar a primeira truta de minha vida. Lá, vadeamos à tarde em um trecho do Rio Caveiras, indicado pelo guia Saúri. Tive não só o prazer de fisgar minha primeira truta como testar a efetividade da mosca “Pouca- família” que fora desenvolvida para a pesca das pirapitingas no cerrado.
    Essa tarde foi bem produtiva, com mais de dez trutas fotografadas.
     Estávamos num trecho mais próximo da cabeceira do rio e o Rogério me disse que o nível de água do rio havia baixado bastante. Assim desconfiamos que as maiores trutas pudessem ter descido o rio, para trechos mais volumosos, onde vários arroios aumentam seu fluxo d’água. Como já era tarde deixamos essa empreitada para o dia seguinte.
     Chegando à pousada do Domingos, fomos recebidos calorosamente pelo amigo, rod maker, Jorge Pozzobon que nos preparou um delicioso churrasco, composto por uma saborosa “picanha frescal”, prato típico da região. O ambiente não poderia ser melhor, clima agradável com o melhor do papo mosqueiro.
     Na idéia de pescarmos mais a baixo no Caveiras, Jorge nos organizou um vadeio para o dia seguinte, em que seríamos guiados por Ricardo Becker.

     Logo cedo, Ricardo chega à pousada e nos direciona aos seus pontos de atividade mosqueira. Lá o rio se assenta em longos lageados de pedras intercalados com cascatas e cachoeiras, num cenário deslumbrante.
Eclosões
Jamanta em ação
Soltura ideal da truta: sem tocá-la e sem tirá-la da água
     Foi nesse ambiente convidativo que passamos um belo dia casteando e fisgando bons exemplares. Nossa suspeita do dia anterior realmente se confirmava: os maiores peixes haviam descido o rio.
Damselfly
"Pouca-família" e Stonefly
     Nas corredeiras (ambientes lóticos), as trutas ficam menos seletivas, atacando mais rapidamente pelo instinto. Nessa situação de pesca tivemos ações com vários tipos de mosca, principalmente lastreadas. Assim como as Stones nymphs, Pâncoras, Wolly buguers, o Pouca-família também obteve um ótimo desempenho, me presenteando com uma grande truta nas corredeiras.
Pâncoras
Stones adultas
Pupa de caddis
     Nas águas mais lênticas, em poços e remansos, as trutas ficam mais seletivas, dando tempo de “pensar” antes de atacar a mosca. Pinchei pouca-família, Stones nymphs, e outras moscas molhadas e nada de ação. Mas sabíamos que elas estavam ali, a movimentação na superfície denunciavam a sua presença. Suas ações não provocavam nenhum estrondo na superfície, a truta parecia “beijar” o seu alimento. Até que o Rogério (Jamanta) me chama e mostra algumas mayflies em eclosão. Havia emergentes na superfície e mayflies em fase de subímago sobre a lâmina d’água.
Mayfly: March Brown
     O Jamanta então me sede uma emergente e logo a apresento rio acima.
Cripple: simula emergente Mayfly
     Em pouco tempo vejo uma truta subir até a minha mosca para “beijá-la” delicadamente.
     Daí, uma boa briga se sucedeu. Devidamente registrada, a truta volta pra água.
     Sabíamos que o período de eclosões são rápidos e que não poderíamos perder tempo, pois logo as ações na superfície se cessariam. Rapidamente apresento minha emergente no up stream e, sem tardar, novamente a mesma cena se repete, mas, dessa fez, de forma mais elegante: vejo a truta subindo vagarosamente a uns 50 cm de minha mosca que descia a deriva em sua direção. A truta parecia inerte, assim que a minha mosca se aproxima um pouco mais, um vento faz a mosca mudar de direção, mas foi nesse momento que a truta tomou iniciativa e partiu ao ataque da emergente.
Mais um “beijo” e outro duelo emocionante.
     Fiquei tão feliz com essas duas capturas consecutivas que me questionava se merecia tamanha alegria. E no calor da batalha não me contive: “Haoh trem bão sôô!!!”. Se eu tivesse em Goiás, certamente eu diria: “Essa é pra acabá com os pequi do Goiás”. Vejo que nessas horas a observação do ambiente e o companheirismo fazem a diferença numa pescaria, nos fazendo contentes pela produtividade gerada e pelo sorriso estampado no rosto do parceiro.
     Com o sol a pino e com fome fomos almoçar. Comemos um churrasco daqueles pra gaucho e goiano nenhum botar defeito.
     Esperamos o sol baixar e partimos pra outro ponto de pesca. Dessa vez, estipulei uma nova estratégia de pesca. Como já me sentia pescado, queria tentar selecionar os maiores peixes. Já havia testado as terrestriais sem sucesso, mas sabia que apesar de gerarem poucas ações, poderiam ser a chave para um troféu. Chegando num poço, com a água na cintura, vimos uma ação mais agressiva rente a margem, abaixo da copa de uma árvore, e em poucos segundos meu grilo já se apresentava no local...
     Recebendo uma batida agressiva, ala pirapitinga... Uma rápida tomada de linha seguida de um salto... Uma truta de grande proporção para aquela região dá as caras... Mais dois saltos e, mesmo com a linha esticada, ela escapa... HUUFF... Uma pena: era meu troféu se esvaecendo! Fiz outras apresentações e nada... Essa perda só me fez sentir motivado a voltar para tentar fisgá-la novamente em outra oportunidade, quando certamente estará ainda maior.
     Nessa tarde, só deu o Rogério. Com sua ninfa, receitada por ele, trabalhando lentamente no fundo, teve consecutivas ações, saindo mais duas lindas trutas. Fechando com chave de ouro nosso dia de pesca.
     Com certeza, recomendo que a pesca da truta em Lages/Painel deve ser experimentada pelos mosqueiros que apreciam um bom vadeo.
     Quero agradecer de coração os amigos do Mosca N’Água, em especial ao Rogério pelo companheirismo, ao querido Jorge Pozzobon pela sua hospitalidade e por seu esforço em nos agradar, tornando nossa estada em Lages muito aprazível. Também aos nossos guias e amigos Ricardo Becker, Diego e Alessandro. 
Diego, Leandro, Rogério e Ricardo
     Até a próxima temporada... Esperando que no retorno uma forte associação seja criada para alavancar a pesca com mosca em todo Brasil, partindo desse grande epicentro de trutas no sul do país! Espero também que as pessoas que pescam nesse santuário encontrem o verdadeiro motivo de não matar o peixe: Ao soltar o peixe o pescador está preservando não só a vida do peixe como também a sua própria consciência, pois prova ao seu eu interior que além de um profundo conhecedor da natureza também conhece a si mesmo. Não é esse o sentido da vida? Conhecermos a nós mesmos e o ambiente que nos circunda?
     Boa sorte a todos... E Goiás vos espera de portas abertas!

Att,
Rogério e Leandro