sexta-feira, 27 de maio de 2011

AVENTURA MOSQUEIRA E MISTICISMO NA CHAPADA DOS VEADEIROS

Texto: Leandro Vitorino
Fotos: Luiza Dornfeld e Leandro Vitorino
     A Chapada dos Veadeiros situa-se no Planalto Central onde nascem os formadores do Rio Tocantins. É uma região de grandes chapadões que vem gradualmente ascendendo desde o Triângulo Mineiro de um lado, e desde o Vale do Rio São Francisco do outro. Alteiam-se mais a partir do paralelo de Formosa para formar a célebre Chapada dos Veadeiros.
     Os altos chapadões chegam a atingir 1.775 metros de altura, empilhados de grandes rochas bem vascularizadas por inúmeras veias d’água, assim se tenta resumir essa região quase intacta ao nordeste de Goiás.
     Veadeiro não faz referencia ao animal veado, mas sim, ao cachorro que o fareja em sua caçada pelo cerrado.
    
     Um dos maiores entendedores da Chapada dos Veadeiros é o estudioso Luiz Lima, autor do Livro “Entre cimos nublados uma solidão selvagem”, no qual ele faz uma corografia contemporânea da Chapada dos Veadeiros, um dos livros mais interessantes que já li.
Morro da Baleia
     Vamos a nossa aventura...
     Eu e minha esposa passamos quatro dias bem aproveitados na cidade de Alto Paraíso (230 km de Brasília e 420 km de Goiânia), uma cidade tombada como patrimônio natural mundial, pela UNESCO, que recebe a visita de milhares de aventureiros que buscam auto-reflexão e modos alternativos de se equilibrarem espiritualmente. A cidade transpira misticismo e é conhecida como a Cidade do Terceiro Milênio, graças a sua natureza exuberante e montanhosa, cortada pelo paralelo 14 (o mesmo de Machu Picchu, a cidade sagrada dos Incas, no Peru). Está assentada em rochas de cristal, o que a tornaria mais brilhante quando vista pelo espaço e, portanto, antenada para energia cósmica.
     Mesmo que nós desvencilhemos dessas crenças, é impossível não sentir a magia da fauna e da flora da Chapada dos Veadeiros, um verdadeiro santuário ecológico que pode ser vivenciado por uma simples caminhada ou através da prática de atividades radicais como canyoning, cascading, tirolesa e rapel.
Louva-Deus
Caranguejeira
Camaleão do cerrado
Macaco prego
Carcará
Tucano-açú
     Ao observar aqueles pequenos rios rochosos e cristalinos da Bacia do Tocantins e como tenho muito medo de altura, não tive dúvida de como exploraria aquele paraíso: um vadeo clássico rio acima com meu equipamento #3 e um mergulho seriam o suficiente para observar e entender um pouco da fauna aquática daquele cenário. Estávamos em março (enchente de São José), fim do período chuvoso. As águas ainda não estavam totalmente claras, mas já era possível pescar no visual.
Pesca no visual
Pirapitinga e tambiús
     Batizei o berço do Rio Tocantins com minha wet “Pouca Família” e senti logo na primeira apresentação um tranco seco e bem familiar, és que salta um briconídeo lindo e com nadadeiras bem alaranjadas. Em poucos minutos percebi que estava vadeando no melhor ponto de pirapitingas-do-sul que já estive. Em menos de duas horas de vadeio tive mais de 30 ações, 22 pirapitingas capturadas e soltas, era difícil não haver um ataque quando a mosca era bem apresentada. É importante lembrar aos mosqueiros que mesmo havendo muitos peixes, as pirapitingas não aceitam erros do mosqueiro, o que desencadeia um comportamento de fuga global do cardume. Portanto, a caminhada silenciosa e o tiro único e certeiro da mosca influenciam diretamente nas capturas.
Boa pirapitinga no Pouca-família
     Existem dois rios preservadíssimos na região que não sofrem praticamente nenhuma pressão de pesca, e o melhor é que são bem acessíveis e “fáceis” de vadear. Não divulgarei os pontos geográficos aqui em nossa matéria para protegê-los dos flyzeiros matadores de pirapitingas do Distrito Federal (é duro? Flyzeiro matador! Mas pelo DF existe, e muito!). Felizmente as Pirapitingas estão restritas só a alguns trechos desses rios, ilhadas por cachoeiras intransponíveis, dentro de reservas particulares que proíbem totalmente a pesca em suas propriedades. Graças a essa ação consciente a região ainda está equilibrada.
     Firmamos aqui mais amigos e parceiros do Projeto Pirapitinga do Sul. Mas como já era de se esperar, o trairão, o Pacú de Penacho e a Tubarana da Bacia do Tocantins estão quase extintas, mesmo dentro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Isso por ações de antigos garimpeiros, que pescavam com bombas nos poços das cachoeiras na época de seca. Vi uma foto preto e branco, bem antiga, de um garimpeiro erguendo dois trairões com mais de um metro cada um, realmente impressionante, que na visão atual é uma lástima.
     Percebi que a Chapada dos Veadeiros é a região de Goiás mais madura ecologicamente. É muito fácil dialogar com as pessoas sobre assuntos de preservação e estabelecer vínculos fortes com as pessoas dali, o que já é muito mais difícil no entorno de Brasília, Pirenópolis e Corumbá, onde as pirapitingas também estão presentes.
     Vejam só o que os naturalistas da Chapada conseguiram: barraram o alagamento de uma hidroelétrica no Rio Paranã, que já se encontrava construída. Tudo isso para proteger um dos últimos refúgios selvagens do Pato-mergulhão (Mergus octosetaceus) que só ocorrem em pouquíssimos locais no Brasil e sofre sérios riscos de extinção por perda de seu habitat natural. O Pato-mergulhão encontra-se protegido na Serra da Canastra e na Chapada dos Veadeiros.
     Ficamos por aqui nessa aventura, exposta sobre a ótica de um mosqueiro que com certeza retornará para essa bela região do Planalto Central para mais estudos e registros de outras espécies...
     Estar bem calçado, com as moscas certas para cada época e ocasião, além de uma boa estratégia de "ataque" aos pontos direcionam o vadeio à bons resultados. As moscas não devem agradar apenas ao mosqueiro, mas principalmente os peixes. Insetos típicos do cerrado são o cardápio das pirapitingas, o que faz com que tenhamos um estilo de pesca legitimamente brasileiro...
Pouca-família