quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Bem vindo ao “INFERNÃO”, a terra esquecida…


Por Kensuke Matsumoto e Leandro Vitorino
Fotos : Arquivo GO FLY
     Calma! Não se assuste com o título de nossa matéria, ao contrário do que induz nosso pensamento, trata-se apenas de mais uma majestosa obra divina. A Cachoeira do Infernão situa-se numa região chamada regionalmente de “Paiol Velho”, no povoado de Capela (GO). Praticamente esquecida pelo homem, mas não por Deus e muito menos pelos pirapitingueiros. Esse é um trecho vasto de cerrado à margem da Serra dos Pirineus, que se estende por infinitas montanhas e chapadões a sumir de vista.
Região do Paiol Velho
Mico estrela
     Seu relevo íngreme e seu solo rochoso dificultam a agropecuária, fato que trouxe benefícios à vida selvagem, delimitando uma grande ilha de cerrado preservado com uma baixíssima densidade demográfica.
Coruja buraqueira
     As margens dos rios da região passam meses sem avistar a figura humana, a não ser alguns homens destemidos interessados na pesca da pirapitinga ou na caça ilegal, fato evidenciado pelas pegadas de vários animais e vestígios de bala em suas margens.
Casarão colonial rumo ao povoado de Capela
A EXPEDIÇÃO:
Casas primitivas de adobe isoladas na região
     Durante pesquisas do Projeto Pirapitinga-do-sul, percorri vários quilômetros de terra, delimitando e mapeando o local, além de cadastrar algumas fazendas que margeiam o Paiol Velho. Coletei relatos de pessoas que já passaram por lá e resolvi planejar a expedição àquela região.
Iambú
     O lugar possui natureza exuberante e é afamado pelas grandes Pirapitingas-do-sul, mas também por seu acesso extremamente difícil com alguns episódios de pessoas que se perderam por lá, sendo que só quem era nascido e criado em seu permeio conseguiria andar por aquelas bandas. Mas esse histórico de incertezas não foi o suficiente para barrar os mosqueiros do GO FLY, ávidos por pirapitingas. Rios como Mundo Novo, Miguel Ribeiro, Mata-mata e Confisco são desconhecidos de nossos mapas hidrográficos, o que nos transmitia um sentimento de desbravamento, moldado por anseios e insegurança.
Fogo-apagou
Guache
 
Canarinho da terra
     O dia da expedição foi marcado coincidentemente no mesmo final de semana em que receberia a visita do meu amigo Kensuke Matsumoto, que sairia do Rio de Janeiro em busca de um de seus fascínios: a pesca com mosca da pirapitinga. Nossa amizade se firmou há mais de um ano, em que a equipe GO FLY apresentou-o a um dos nossos lindos rios de pirapitingas. Com experiência na pesca com mosca de Tarpons e Bonefish em Los Roques, dourados argentinos, trutas chilenas e tucunarés amazônicos, Kensuke muito nos honra e nos acrescenta com sua visita, encontro que mereceu ser brindado com uma pescaria classe “A” no estilo vadeio, tida, por muitos, como supra-sumo na pesca com mosca.
Saracura-três-potes
Quati

     Fomos guiados por dois guias do Projeto Pirapitinga-do-sul, Nei e Luiz, dois pirapitingueiros de infância com ótimo conhecimento da região.
Ema
Teiú

     Levantamos de madrugada e percorremos vários quilômetros de estrada com visual deslumbrante, onde só era possível com veículo forte. Chegando ao fim da linha, era hora de andar. Após uma hora a passos rápidos, subindo e descendo morros, um ronco contínuo quebra o silêncio, era a garganta do “Infernão”, que mesmo sem ser avistada sussurrava sua imponência a seus visitantes.
     Ao chegar à cachoeira, o coração acelerou, a boca secou e os olhos se abriram para observar tamanha beleza. A queda do Infernão derrama suas águas entre cânions até formar um grande poço de profundidade desconhecida.
Infernão
Nei, Luis, Leandro e Kensuke
     Até então, aquelas águas nunca haviam recebido um turista, apenas alguns moradores da região. Ninguém nunca havia arremessado uma mosca por ali. Aquele ambiente tão belo nos tingia de emoção e desejo de lançarmos a nossa primeira mosca.

Hopper apresentado ao lado de uma moita de capim
     Após respirar fundo e se energizar com o magnetismo do lugar, estudamos o ambiente e pinchamos nossas terrestriais, que julgamos mais apropriados para a situação, seguindo ao raciocínio: lugar virgem + mosca grande = peixe maior, além de a mosca maior também facilitar a flutuação e a visualização nesse ambiente mais hostil. Para nos livrarmos da forte correnteza dentro do cânion, apresentávamos as moscas entre as fendas das pedras. O lugar não negou sua fama, tivemos ataques súbitos de pirapitingas gigantes. Em poucos segundos já tínhamos duas pirapitingas fisgadas, uma no meu grilo, outra na Chernobil do Kensuke. As batalhas eram recheadas com saltos espetaculares dos Brycons, só não havíamos planejado como ergueríamos os peixes por aquele cânion. Após cansar o peixe, Kensuke eleva uma pirapitinga robusta e logo após a soltura ele já tinha outra encrenca fisgada em sua dry, dessa vez ainda maior, que fazia “berrar” alto a hardy com fortes tomadas de linha e vergar até o cabo a delicada varinha de bambu #4. Uma delícia de briga, que deixou eufóricos até aqueles que estavam reticentes, como os nossos dois guias, que desconheciam a modalidade e estavam surpresos com a sua alta eficácia, comprovada nesse rápido contato.
Grande Pirapitinga "arrancada" dos canions no Bambú
     Por as mãos em uma pirapitinga de peso fez toda a equipe festejar a façanha do amigo, uma grande fêmea, de porte bastante expressivo para a espécie e, prenha, com barriga bem saliente, rapidamente devolvida com cuidado à água para que perpetue seus genes naquele lindo rio.
Forte dentição
     Mas não paramos por aí, pescamos por dois dias só no up stream (rio acima), no primeiro dia caminhamos 6 km, no segundo aproximadamente 9 km, mesmo assim só conhecemos um pequeno pedaço daquele paraíso, o que certamente exigirá inúmeras expedições para conhecer mais a fundo o local e demarcarmos novas rotas.

     Revezávamos a dianteira durante o vadeio. Quem seguia na frente apresentava a mosca seca e atrás já vinha o tiro do companheiro varrendo o fundo com uma mosca lastreada. No decorrer do dia nosso entrosamento ia se moldando, o que fez essa estratégia funcionar em sucesso pleno. Como nestes dias os peixes estavam mordendo melhor as moscas flutuantes, fizemos quase todo o vadeio apresentando apenas as secas.
Apresentação perfeita: linha e leader caindo esticados
Pirapitinga na Sushi (by Gregório)
Aranha ataca libélula
Cari
     Tivemos dezenas de ações e quase 30 pirapitingas capturadas, verdadeiramente um feito respeitável por se tratar de um peixe tão ameaçado. O local era mesmo o refúgio das pirapitingas, só deram elas, tanto que nem tivemos ataque de outra espécie.
Pirapitinga e as moscas matadeiras
     Os ataques às moscas secas eram tão explosivos que às vezes pensávamos se tratar de um trairão, que também ocorre na região, mas logo adiante seu protagonista saltava com elegância, seguido de fortes arrancadas.

     Havia trechos que só era possível caminhar à direita do rio, em outros à esquerda, às vezes tínhamos o rio mais largo, em outros ficávamos espremidos entre as pedras, o que nos exigia uma variação contínua de nossos arremessos. Em certas ocasiões tínhamos que escalar paredões de pedras e em outras éramos obrigados a atravessar o rio a nado para encontrar uma margem que nos permitia prosseguir. Verdadeira aventura, recheada de fortes emoções!
O PEIXE:
Cardume em águas rasas
     A nossa pirapitinga-do-sul da Bacia do Tocantins é a Brycon nattereri, a mesma da bacia do Prata e do São Franscisco, um pouco menor que sua prima da Bacia do Paraíba-do-sul, a Brycon opalinus, apresentando uma média de 20-30cm com peso de 200-400g, mas podendo passar dos 40 cm de comprimento e mais de 1kilo de peso. Porte e comportamento bastante similar às trutas, e pescado exatamente da mesma forma, por isso mesmo muitas vezes referenciada como “a truta brasileira”, e sua pesca com mosca nada deve à “prima estrangeira”. Tudo rigorosamente igual. As mesmas técnicas, táticas e equipamentos usados para a gringa podem ser usados na nacional. Os pescadores com mosca costumam dizer que pescar uma truta no vadeio, caminhando por um rio de água transparente, é a realização como um mosqueiro. Com a pirapitinga, tem-se exatamente a mesma sensação. Só que elas estão logo ali, endêmicas de algumas regiões do Brasil, sem ter que viajar pras terras longínquas. Basta procurar por riozinhos de cabeceira, ainda com águas bem limpas e preservadas.

TÉCNICAS:
Renato captura sua pirapitinga com um roll cast na sombra da margem oposta
     Após a apresentação da mosca devemos evitar o arrasto da linha na correnteza e impor uma fisgada rápida. Por possuir uma boca dura e pouco carnosa, sua fisgada também deve ser firme. Manter a linha permanentemente esticada durante o trabalho com o peixe também é fundamental para esse Brycon saltador e que se livra com bastante facilidade no anzol.
     A pirapitinga é um peixe extremamente arisco, o que torna a sua pesca desafiadora e técnica. A aproximação ao local de apresentação da mosca deve ser silenciosa e de preferência subindo o rio, principalmente quando temos a intenção de pescar com moscas secas, que são as que despertam maior emoção no mosqueiro.
     As pirapitingas não aceitam muitos erros do pescador, como moscas pousando fora do ponto ideal ou repetidas vezes num mesmo ponto. Exige apresentações suaves com líder caindo esticado.

TÁTICAS DA PESCA DE GRANDES PIRAPITINGAS NA MOSCA SECA:

     Usar moscas terrestriais atadas em anzóis maiores, pois possuem um corpo maior em relação às demais moscas secas tradicionais. Essas terrestriais selecionam mais os ataques das grandes fêmeas, além disso, caso uma pequena à ataque ela poderá não se fixar ao anzol e na sequência morder outra maior que acabará se fixando.
     As grandes pirapitingas caçam muito rente aos paredões de pedra, gostam de Canions ou alguns locais de água rasa que estejam próximos a um local mais profundo onde possam se refugiar. Por isso, a apresentação deve ser feita o mais próximo possível do paredão, fora da espuma, que é de onde ela espera que caia o alimento. As espumas das corredeiras são locais mais propícios a apresentar ninfas, mesmo porque a espuma abafa o som da queda da mosca seca que é um ótimo chamariz, além de atrapalhar a visualização da mosca na superfície por parte do peixe (e do pescador).
      Se no meio de um espumeiro de corredeira houver uma área sem espuma, o que apelidei de janela, geralmente atrás de uma pedra, esse será um lugar fatal para apresentar uma terrestrial!
     Caso a apresentação da mosca não tenha ocorrido no local adequado, não se precipite em fazer o pick up na área de ação do peixe. Quando isso ocorrer, devemos deixar a mosca derivar para fora da área de ação para só então fazer o pick up. Isso evita espantar o peixe. Por quê? Quando estamos pescando espécies de pequeno porte, que são predados por aves, o pick up de uma terrestrial pode ser confundido com o ataque de aves. Esse bloqueio dos ataques após o pick up é bem nítido!
     Seguindo essas dicas, o mosqueiro poderá pescar com mosca seca por quase todo o percurso, deixando as ninfas apenas para locais com muito turbilhonamento de água e espumas.

     Não se acanhe em utilizar moscas secas em locais profundos, pois se a apresentação da mosca seca for correta elas subirão freneticamente ao ataque de profundidades até maiores que 4 metros. Nesta aventura, tivemos vários ataques súbitos em mosca seca pousada em remansos de poços mais largos, e geralmente eram de pirapitingas de grande porte, que provocavam explosões violentas à moda de tucunaré ou trairão, emoção forte pra ninguém botar defeito! Difícil era conter a emoção e conseguir a fisgada certeira. Qualquer folga na linha ou desatenção e já era... o esperto peixe já tinha ido embora. Pescaria que exige concentração mil!

VARAS (curtas e macias, de 6’6’ à 8’ de comprimento):
Bambú #4 - 5: Essas varas possuem ação lenta, por isso tem a vantagem de valorizar a briga com o peixe, tornando-a muito mais emocionante, além de apresentarem mais suavemente as moscas secas, porém exigem um domínio técnico maior e devem ser arremessadas com um ritmo mais pausado e menos brutalidade, deixando a vara se encarregar do carregamento da linha/mosca. É o supra-sumo na sensação e prazer transmitidos ao pescador de mosca.

Carbono #3 - 4: As varas de carbono (grafite) apresentam melhor as ninfas mais pesadas que as varas de bambu, e para valorizar mais a briga com o peixe e facilitar o arremesso mais curto, delicado, e com precisão, evito varas rápidas e compridas, preferindo as de ação moderada e curtas. Normalmente os rios de pirapitingas são pequenos e apertados, não raro cercados de mata ao redor e sobre a cabeça. As varas macias ajudam também no arremesso rolado (roll cast), que é extensivamente usado nessa pesca.

LINHAS:

     As linhas de apresentação delicada são as mais adequadas para essa pescaria, principalmente com as moscas secas. Tenho grande afinidade pela Triangle Taper (TT), pois em locais fechados facilitam o arremesso rolado (Roll cast) e a apresentação é sempre bem delicada, perfeita para essa pesca. Como segunda opção utilizo as Weight Forward (WF), que apresentam bem as terrestriais. Já as linhas Double Taper (DT), com seu perfil fino e continuo fazem uma apresentação boa e delicada das moscas secas pequenas tradicionais, mas não pincham bem as terrestriais, por serem mais volumosas, por isso não as indico nessa pescaria de pirapitingas. 

LEADERS:

     Os preferíveis são os leaders cônicos de 9’ à 11’ terminando com ponta entre 2x e 4x (0,23-0,18mm). Para moscas secas, escolha aqueles feitos de nylon, que permitem melhor flutuabilidade, enquanto para ninfas e streamers, os de fluorocarbono permitem que afunde melhor, além de menos visíveis na água clara.
     Não recomendo leaders torcidos, pois são mais visíveis ao peixe, atrasam o afundamento das moscas lastreadas na correnteza quando precisamos que elas afundem rápido, além de provocar um maior arrasto na água, características que são prejudiciais a essa situação de pesca.

MOSCAS:
     Terrestriais (secas): Gafanhotos e Grilos em anzóis 8 à 10 atados com EVA, pêlos e pernas flexíveis são muito efetivos nessa pescaria. E mais recentemente tivemos excelente produtividade com as tanajuras de EVA (by GO FLY). As Cicadas, Chernobils, Madam X, Libélulas, juntamente com outras similares também provocam boas ações. Os grilos de pêlo atraem muito a atenção do mosqueiro pela sua aparência e também produzem boas ações, porém são destruidas com mais facilidade pelo peixe e não possuem o mesmo equilíbrio que os de EVA, sem contar que a terrestriais de pêlo encharcam, necessitando serem secadas frequentemente com false casts.
Terrestriais matadeiras
"Pouca-família" após várias capturas: é a Wet mais eficiente
     Molhadas: Atadas em anzóis 10. A super lastreada Pouca-família (by GO FLY); Black nymph; Montana; Wooly Worm; Pâncoras (viva e morta); pequenos streamers como Sushi, Crazy Charlie, Wooly Buggers e similares.

CALÇADOS:
Improviso barato e eficiente para o calor do cerrado
     Botas com solado de feltro são indispensáveis no vadeo dentro do rio, evitando quedas e torções no tornozelo.
     Para evitar as botas de vadeo pesadas que são vendidas no mercado, mais voltadas para as regiões frias, uma alternativa para vadeo no cerrado é comprar uma bota de neoprene, colocar uma palmilha extra e no solado devemos colar e costurar uma placa de feltro. Essa colagem deve ser feita no sapateiro, pois é mais efetiva quando feita sob pressão.