domingo, 17 de janeiro de 2010

Cerrado: Território do vadeio brasileiro. (Parte III)

-->Por: Leandro Vitorino

...Continuação

A avaliação do comportamento das pirapitingas em relação à pesca com mosca:

Cardume de Pirapitingas-do-sul (Brycon nattereri), Bacia do Tocantins.   
Foto: Leandro Vitorino
A pirapitinga é considerada, por muitos pescadores que já a pescaram, o peixe mais arisco de água doce do Brasil. Encontrar ambientes preservados que são povoados pela pirapitinga já é um desafio nos dias de hoje, pescá-la, então, torna-se ainda mais difícil.  
Devemos evitar vestimentas claras, o que afugentam as pirapitingas em águas límpidas, pois em muitos lugares, o peixe já associou a figura humana como uma ameaça. É imprescindível uma aproximação silenciosa dos locais promissores e ainda, o mais importante: não perder a fisgada e nem o peixe durante o trabalho! Por quê?
Quando um peixe está com a mosca na boca, o seu exercício de mastigação dispara instantaneamente um frenesi alimentar no cardume e com um bom entrosamento com o seu parceiro de pesca, pode acontecer dubles. Mas quando há a perda do peixe, os demais indivíduos do cardume vão inspecionar o exemplar que foi perdido, percebendo nele sua agonia, stress (dada pelo excesso de mucosidade que também libera um odor característico) e cansaço, haverá um bloqueio repentino dos ataques pelo restante do grupo. Além disso a fuga do peixe acaba arrastando outros indivíduos do cardume. Quanto menor for o cardume mais esse comportamento é intenso. Quando o cardume é muito grande  essa dispersão em fuga é mais amena. Esse é um comportamento instintivo existente em todos os peixes que se agrupam em cardumes, mas na pirapitinga ele parece estar potencializado.

Pirapitinga capturada por Rafael Pacheco com Black Nymph (anzol#12, 2XL); tippet 0,14 mm.          
Foto: Leandro Vitorino
Outra dica importante ao mosqueiro é fazer a soltura do peixe num local mais abaixo de onde ele foi capturado, para que ele não se agrupe rapidamente ao cardume, o que, conseqüentemente, também bloqueará as ações do cardume. Mas lembre-se de fazê-lo rapidamente, pois a pirapitinga é um peixe muito sensível à falta de oxigenação.
Caso passe muito tempo sem haver ataques num local promissor, onde você consegue até mesmo visualizar o cardume, é hora de repousar o local. Contente-se em mudar de ponto, pois levará algum tempo até que as pirapitingas se recuperem do stress e fiquem ativas de novo. A paciência é uma virtude que deve sempre acompanhar o mosqueiro.
Qualquer que seja a dúvida em relação ao comportamento do peixe procure a resposta nas demonstrações simples da natureza, certamente você irá encontrá-la. Isso vale para qualquer peixe e em qualquer ambiente que você esteja pescando.
Pescar subindo ou descendo o rio?
           Essa resposta pode depender de algumas variáveis, como por exemplo: transparência da água, profundidade do trecho que se irá pescar, preferência pessoal do pescador por moscas secas ou lastreadas e o comportamento da espécie em atacar ou não as moscas secas.
Ao contrário do que muitos imaginam, a maioria das grandes pirapitingas preferem as corredeiras rasas, desde que estejam próximos de um local aonde possam se refugiar. Mas bons cardumes, principalmente de machos,  ficam presos em poços de cachoeiras durante a seca.
Foto: Rafael Pacheco                    
Explicando melhor:
Quando subir o rio?
     Se a água estiver clara e o trecho em que o pescador irá vadear for raso, o mosqueiro que aprecia um belo ataque a uma mosca seca deverá dar preferência em subir o rio. Também é possível pescar com ninfas subindo o rio, utilizando técnicas como o Nymphing, mas está técnica não será explicada nesse momento.
     Quando estamos subindo o rio, a mosca seca é apresentada rio acima e à medida que a mosca desce ao sabor da correnteza, simulando um inseto que caiu na água, vindo ao encontro do pescador, basta com que ele vá recolhendo sua linha, para mantê-la esticada e preparada para o momento da fisgada. Já, quando estamos descendo o rio, dificilmente conseguiremos fazer com que a mosca seca desça na velocidade que desejamos, pois neste caso, teremos que descarregar a linha na velocidade exata da correnteza. Além disso, quando optamos por descer o rio, os passos do mosqueiro na água poderão deixá-la mais turva, prejudicando a visualização da mosca pelo peixe, mas isso pouco acontece quando estamos vadeando em rios de pedra e com poucos sedimentos. Outro fator negativo para descer o rio é que o peixe poderá sentir seu cheiro, podendo afugentá-lo.
     Outro argumento muito utilizado e coerente é que a peixe posiciona-se com a cabeça para cima (contra a corrente), o que facilita sua respiração e é de lá que ele espera que venha o alimento, portanto quando subimos chegamos por trás do peixe, em seu ponto cego de visão, o que certamente tornará menos perceptível a nossa aproximação. 

Casting rio acima. Foto: Leandro Vitorino
     
     Quando descer o rio?
     Caso a água não esteja muito clara, o que faz com que caia a produtividade das moscas secas, o mosqueiro deve dar preferência às moscas molhadas ou lastreadas, mesmo em águas rasas. Mas essa não é uma verdade absoluta, pois quando ocorre uma chuva seguida de uma revoada de içás, mesmo que a água escureça, os peixes atacarão na superfície. Portanto, a observação e a boa interpretação da natureza são de grande valia ao mosqueiro. 
      Quando os locais são mais fundos e os peixes estão mais ativos em maiores profundidades, o uso de mosca lastreada também é preferível.
   Daremos preferência em fazer o vadeio rio abaixo quando utilizarmos moscas lastreadas ou molhadas, pois, como muitas dessas moscas imitam criaturas aquáticas, o seu trabalho mais comum é dar pequenos toques de recolhimento, simulando uma criatura viva se locomovendo, essa técnica é chamada de Swinging. Outra grande vantagem dessa técnica é que a linha se mantem permanentemente esticada, pronta para fazer a fisgada.
   Quando estamos pescando em correntezas rápidas e com mata ciliar fechada, um dos arremessos mais úteis é o roll cast, que é mais facilmente realizado durante a descida do rio. A correnteza mantém a linha esticada, o que é necessário para iniciar a sequência de movimentos do roll cast. Esse movimento básico será explicado em outra ocasião.

Roll cast na descida do rio. Foto: Leandro Vitorino

Outras espécies:

     Aqui habita também o maior lambari do mundo, entre as mais de 300 espécies de lambaris já catalogadas, ele é o lambari largo (Astyanax elachyleps). É um “lambarizão” grande mesmo! Talvez o maior dos lambaris (há outra espécie próxima, no Peru, Bolívia e no Acre, o Astyanax maximus, que o rivaliza em tamanho). É típico da Bacia do Tocantins, conforme afirma o biólogo Flávio Lima (mestre e doutor do museu de zoologia da USP, especialista em Brycon). Também lembra o tambiú (lambari-de-rabo-amarelo, Astyanax bimaculatus).
     O lambari-largo é facilmente confundido com uma pequena matrinxã ou uma pirapitinga, mesmo pelos pescadores mais experientes. Facilmente capturamos exemplares acima de 100 gramas, sendo pescados até com anzóis #10, mas o ideal são anzóis #12 ao #16. Eles preferem correntezas um pouco mais lentas. Não é uma espécie saltadora, mas ataca muito bem as moscas secas e proporciona uma boa briga com equipamentos de #0 a #2.

Lambari-largo. Foto: Leandro Vitorino

O “largo” pode ficar ainda bem maior do que esse da foto. 
Foto: Rafael Pacheco

O lambari-de-ferrão é outro exótico peixe das águas de Piri:

Lambari-de ferrão (Jupiaba apenima). Foto: Leandro Vitorino

     O lambari-saltador é sem dúvida o mais sensacional de todos os lambaris na visão do mosqueiro. É um caçador de superfície, chegando a saltar fora d’água para capturar insetos, sendo que seu cardume é facilmente localizado por seus saltos em baixo de copas de árvores. Possui boca grande e olhos bem proeminentes. Os índios da Amazônia pescam esse lambari numa modalidade de fly primitivo; eles atiram a linha rapidamente na água, deixam a isca afundar por, no máximo, 4 a 5 segundos, porque eles atacam a isca imediatamente quando ela cai na água, mas não a acompanham se ela afundar. Ele ataca quase que exclusivamente só as moscas secas, não é mesmo incrível?

Lambari-saltador (Bryconops caudomaculatus). Foto: Leandro Vitorino

Esse é o místico mundo encantado dos rios do cerrado brasileiro!

                                                                                                                    Foto: Leandro Vitorino

OBS: somos uma equipe formada, por pescadores em permanente fase de amadurecimento técnico. Além disso, pouco ainda se conhece sobre a pesca de pirapitingas com mosca, mas esperamos dar nossa contribuição no seu desenvolvimento. Quaisquer dúvidas, sugestões, ensinamentos ou críticas construtivas serão muito bem vindas. Basta postá-las abaixo, em “comentários”. Também queremos aprender com vocês!

Obrigado pela visita!
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