Fotos: Arquivo Projeto Pirapitinga
Nosso país é o mais rico em biodiversidade do planeta. Apesar de toda essa diversidade, o Brasil é hoje o segundo país em número de espécies ameaçadas.
Cateto com seu filhote. Foto: Leandro Vitorino |
Estudiosos afirmam que várias espécies estão sendo extintas antes mesmo de serem conhecidas e catalogadas, é como se todos esses seres passassem despercebidos pela humanidade, contudo alguns se preocupam mais em descobrir outras formas de vida em outros planetas.
Perereca dormia num galho à beira do rio. Foto: Leandro Vitorino |
Escuto dizeres do tipo: “devemos preservar para que nossos netos possam ver esses animais”, ou seja, até nossa idéia de preservação está voltada para agradar o ser humano. Apesar dessa frase ser um ótimo pretexto para orientar nossas crianças quanto à importância da preservação, nossa responsabilidade precisa ir mais além.
Esperança se camufla no musgo das árvores. Foto: Leandro Vitorino |
Enquanto muitas pessoas chegam a gastar milhares de dólares numa obra feita pela mão humana, uma beleza infinitamente maior está logo ali, de graça e ao nosso alcance, mas que muitas vezes passa despercebida por muitos olhares.
O raro e ameaçado casal de Pato-mergulhão, dentro das áreas do Projeto Pirapitinga. Foto: Leandro Vitorino |
SOBRE O PROJETO
Cardume de Pirapitingas (Brycon nattereri). Foto-sub: Leandro Vitorino |
O Projeto Pirapitinga foi idealizado em 2008 por Leandro Vitorino, que logo juntou seus ideais aos de seu primo Oscar Vitorino, mestre em biologia. Desde então, iniciaram um trabalho de pesquisa sobre a espécie. Várias viagens deram início à procura dessa espécie e em inúmeras delas pode-se confirmar sua extinção em alguns pontos onde outrora cardumes nadavam em abundância.
A Brycon nattereri ocorre em algumas regiões de cerrado das Bacias do Alto Paraná, São Francisco e Alto Tocantins. Mas devido a grande destruição do seu habitat, sua população encontra-se restrita a alguns focos.
Conseguimos autorização para pesquisarmos sobre essa espécie e fazermos um trabalho de campo apropriado, porém usávamos metodologias diferentes das tradicionais. A coleta do peixe pela maioria dos trabalhos de campo é feita através de redes de espera e redes de arrasto, mas o projeto pirapitinga conseguiu, de forma menos traumatizante e satisfatória, coletar a pirapitinga e registrar dados ainda pouco descritos.
Utilizávamos de forma eficaz o mergulho em apneia de observação juntamente com recursos fotográficos para contabilizarmos o número de indivíduos e o tamanho deles no cardume. Por meio da pesca com equipamento de pesca com mosca (flyfishing) estudávamos isoladamente alguns indivíduos do cardume. Eram coletados dados como: sexo, comprimento, maturidade sexual e aspecto físico geral, logo após eram devolvidos saudáveis ao seu ambiente. Informações sobre a dieta do peixe eram obtidas através de observações de alguns espécimes colocados em recipientes com água bem oxigenada. Dessa forma, o stress causado por esse acondicionamento levava o peixe a regurgitar todo o alimento contido no estômago em 100% dos casos. Após essa manipulação esses indivíduos eram liberados em seu habitat natural.
Rodamos vários municípios da Serra da Mesa, Serra dos Pireneus, Planalto Central, Serra de Caldas, Chapada dos Veadeiros e Serra da Canastra. O estudo foi feito com mais de quatrocentos peixes pesquisados em todos os meses do ano, em regiões distintas. Alguns gráficos e dados do estudo de campo conseguiram agregar informações importantes ao projeto, permitindo que estratégias pudessem ser desenvolvidas, visando a proteção da espécie.
ENQUANTO A SUSTENTABILIDADE DO PROJETO
Inicialmente, um dos meios de levantamento de verba viria do turismo da pesca esportiva praticada nas áreas do projeto, sobre a supervisão de guias especializados e de outros membros treinados. Porém, durante a implementação dessa ação sustentável tivemos alguns fatos negativos: como moradores locais pescando e matando peixes dentro das áreas cadastradas pelo projeto, lixos deixados pelos mesmos, retirada de placas de conscientização, incêndios provocados, cortes de cercas e invasão das propriedades privadas colaboradoras do projeto. Esses fatos inviabilizaram a instalação da pesca esportiva e turística, o que seria uma das ações de sustentabilidade.
Até o momento, por medida de segurança da espécie, o turismo da pesca na região encontra-se suspenso. Porém a pesca com mosca, realizada por integrantes do projeto e seus colaboradores continua existindo como metodologia de pesquisa no trabalho de campo, para que ocorra um monitoramento das populações já estudadas e para que novas áreas de ocorrência sejam descobertas e incluídas ao projeto.
BIODIVERSIDADE NAS ÁREAS DO PROJETO PIRAPITINGA
O venenoso Sapo-Flexa ocorre no cerrado rupestre. O macho possui cuidado parental e carrega seus girinos nas costas na época da reprodução. Foto: Leandro Vitorino |
Ao contrário da maioria dos outros sapos, o Sapo-Flexa possui hábitos diurnos. Foto: Leandro Vitorino |
Uma grande variedade de áreas de cerrado da região Centro-Oeste e Sudeste do Brasil já foram estudadas. A pirapitinga é a nossa espécie foco do projeto, entretanto outras espécies de peixes do mesmo habitat também se encontram ameaçadas e passam por sérios riscos de extinção. O Pacú-penacho (Pacú-bandeira), a Tabarana e o Trairão da Bacia do Tocantins são alguns desses exemplos e os principais fatores de ameaça observados são as PCHs, destruição de mata ciliar, poluição e pesca predatória. Esses peixes exigem água limpa, bem oxigenada e uma mata ciliar preservada para que forneça seu alimento, além da não interrupção de sua migração para a desova.
O estudo da pirapitinga nos levou a conhecer uma gama incrível de mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes, plantas e insetos.
O Cerrado é rico em espécies endêmicas. Estudar a entomofauna do cerrado é também de suma importância ao projeto, já que a pirapitinga é um peixe onívoro com enorme predileção por insetos.
Pesquisar e entender o ciclo de vida das saúvas, moscas da pedra, gafanhotos, formiga-leão entre outras, fez com que o projeto conquistasse um grandioso arquivo fotográfico e cultural da entomofauna do cerrado.
A Formiga-leão (Piolho-de-urubú) é um inseto terrestre e predador, fazendo suas armadilhas em terrenos arenosos. Foto: Leandro Vitorino |
O PROJETO E A PESCA COM MOSCA (FLYFISHING)
A pesca com mosca é útil como metodologia de pesquisa do projeto, por se tratar de um método limpo, eficaz e com boa seletividade, além de provocar mínimos danos ao peixe capturado, quando manipulado por mãos treinadas.
Ao longo de nossa caminhada conquistamos alguns parceiros e colaboradores do projeto que além de focarem na preservação da espécie, também têm se encantado com a beleza do peixe e seu estilo de pesca.
Apesar da pirapitinga se alimentar principalmente de ninfas de insetos em fase aquática, não dispensam flores, frutos, sementes, insetos terrestres, pequenos peixes, anfíbios e até roedores. São extremamente oportunistas e vorazes, fazendo com que seus ataques sejam de forma rápida e agressiva às “moscas terrestriais” (iscas artificiais flutuantes que imitam insetos terrestres) apresentadas pelo mosqueiro (pescador) em poços ou no corredor de alimentação do peixe.
As pirapitingas também são esguias e ariscas e assim que notam a presença do pescador, se escondem entre fendas de pedra.
A beleza e a espiritualidade do cerrado gera no praticante dessa modalidade de pesca uma satisfação extrema, lavando a alma, deixando-a leve e serena.
Até a próxima!!!
Att,
Projeto Pirapitinga e GO FLY