sexta-feira, 9 de agosto de 2013

PELAS QUEBRADAS DOS GRANDES SERTÕES

     TEXTO E FOTOS: Kelven Lopes e Leandro Vitorino
     
Tabarana (Salminus hilarii) da Bacia do Tocantins. 
     A beleza emana de todos os lados, principalmente quando entendemos e apreciamos o simples, o rústico e o natural. O cerrado castiga fisicamente seus desbravadores, mas sabe agradar os olhos e o coração de quem lança uma percepção respeitosa sobre o significado da vida selvagem em seu ecossistema. Ele reluta com seus instintos e sua capacidade inigualável de sobrevivência às agressões humanas.


Vereda entre campo limpo do cerrado. 
     Um dos biomas mais antigos do planeta e naturalmente adaptado ao clima semiárido, o cerrado consegue extrair seus nutrientes de terras “pobres”. O Sertão se prende desde solos arenosos, argilosos e cascalhados à fendas de rochas e revive entre queimadas quase anuais. Assim mesmo, ele acolhe uma grandiosa biodiversidade e um grande número de espécies endêmicas. 


Gavião na copa da Sambaíba.
Anu-branco na copa da Sucupira, árvore com grande poder anti-inflamatório e antibiótico em sua casca e sementes.

     Em meio as grandes serras e chapadões brotam veias d’água que contribuem para a origem de grandes bacias hidrográficas do Brasil. A expressiva massa de pescadores, amadores e profissionais, se direcionam aos grandes rios e lagos, deixando passar despercebidas algumas jóias da pesca esportiva, que, em rios quase inacessíveis, essas espécies impõem sua hierarquia na ictiofauna, em rios de pequeno e médio porte do cerrado, mas que também são vítimas de poluição, destruição de matas ciliares e, com pesar, gradativamente são afogados pelas PCH’s, que perseguem até a última queda d’água.  


Rios de médio porte do cerrado, o grande alvo das PCH's. 
     Alguns biólogos e outros profissionais (conservadores ambientais) sofrem com o desemprego e com a falta de reconhecimento das autoridades e se veem obrigados a trabalhar para empreiteiras e ONGS desonestas, sendo, muitas vezes, forçados a formular e ou assinar laudos de baixo impacto ambiental, mesmo sabendo que um alto preço será pago futuramente, com o desaparecimento de algumas espécies com o barramento das corredeiras.




O CERRADO E A PESCA COM MOSCA:

     As múltiplas facetas desse bioma obriga o mosqueiro desbravador a uma adaptação imediata e dinâmica a cada novo rio que se explora. Foi em busca de novos rumos e conhecimentos que o GO FLY se lançou nessa nova expedição. Nos pequenos rios, quando bem preservados, percebemos uma clara dominância das pirapitingas e lambaris-largos, ou um ou outro, que, por suas estratégias de vida e competição de espaço, raramente ocupam o mesmo trecho do rio.
     Mas, a novidade seria nossa estréia em um rio de médio porte da Bacia do Tocantins, que ainda sobrevive com boa saúde, graças ao seu anonimato entre os pescadores, mas que infelizmente em breve serão construídas mais de uma dezena de barragens em seu curso.
  O batismo nesse rio não poderia ser melhor. Suas espécies nativas esbanjam força nas correntezas e elegância em seus saltos. Estamos falando de tabaranas, tucunarés azuis, lambaris-largos, bicubas e sauás, espécies nativas dessa Bacia.

A EXPEDIÇÃO:



     Depois de um dia trafegando, matamos a saudade da poeira do velho estradão. Cruzamos por lindas serras repletas de ipês e pequizeiros, descemos um vale extenso rico em vida selvagem.


Ipês colorindo as encostas do cerradão.

   Avistamos veado mateiro, raposas e outros animais. Ao chegar, montamos um acampamento simples na beira do rio, com basicamente o necessário, de luxo apenas alguns pedaços de carne, tempeiro, arroz, pão e uns vinhos.


Parada para montar acampamento mosqueiro.



     Só desocupamos da montagem do acampamento no fim de tarde, mas ainda deu tempo para um vadeo de lambari-largo na terrestrial em um pequeno rio tributário. Foi uma fartura só..


Pequeno rio repleto de lambari-largo (Astyanax elachylepis), endêmico da Bacia do Tocantins. 
Massa de ovos de Dobsonfly, postas estrategicamente para as larvas eclodirem e caírem direto na água.
As terrestriais selecionam os Lambaris-largos das outras espécies menores.
Lambari-largo da Serra dos Pireneus.
Lambari-largo da Chapada dos Veadeiros
     De volta ao ponto de apoio, um banho de rio pra refrescar a cabeça e lavar a alma.  Para preparo da janta, um fogareiro de boca única para o arroz ao alho, fogo de chão cercado por pedras queimando lenha seca recolhida do chão do cerrado que quando queimada exala uma incrível e intensa essência difícil de ser descrita, mas que não sai da lembrança. 


Primeira noite da expedição.
    À noite, debaixo de um luar que só tem no sertão, moda caipira rústica, carne no braseiro, um bom vinho, contando causos e preparando nossa estratégia mosqueira para o dia seguinte.


Fogo de chão.
Arroz ao alho e cebola.
Fralda ao fogo de chão.
Jantar servido.
A PROSA ("Os cumpanheiros corajosos"):

     O fazendeiro da região avisou: “Óia gente, tá com três onça nas redondeza, uma é pintada e tá parida, essa semana matou uma novilha e um mateiro”, ahhhh... pra quê nóis foi lembrá disso... tivemos que tomá mais vinho pra vê se caso nóis fosse ofendido por arguma onça marvada, num sinti a murdida... Comentários e risadas vêm à tona com a desculpa de tomar mais vinho.

DE VOLTA À MOSCA:

O amanhecer no sertão. Muitos animais ainda estão ativos essa hora.
     Acordamos com o cheiro do orvalho “madrugadeiro” do cerrado, logo um café forte feito pelo Leandro, leva a última lembrança remanescente do vinho na cabeça, enchemos a pança, demos a última conferida no equipamento, apartamos as moscas matadeiras e partimos, ainda no clarear do dia, para o rio com muita expectativa “tabaraneira”...


Conferindo a tralha.
     À primeira vista o rio mostrava-se promissor... após um olhar interpretativo, lançamos nossas moscas. Apresentei meu Gafanhoto GO FLY no remanso, atrás de uma cabeça de pedra e ó lá o peixe esticando a linha numa força descomunal, levando o equipamento #3 ao limite. O que era?: 






Chegamos com o pé direito: Tucunarés fortes de corredeira. 
    Um tucunaré azul de corredeira bem resistente que não corria pra água mansa não... encabeçava mesmo era pro meio da água brava. Não era bem o que esperávamos encontrar, mas a inesperada visita tucuneira agradou bastante. Logo fizemos um dublê de azuis e depois outro... e assim continuava sem cessar... 


Kelven na luta...







Os tucunarés de corredeiras costumam ser bem musculosos.
Mais um dublê de azuis...

    Em meio aos tucunas, eis que surge uma bicuda nervosa... 






Bicuda: o foguete saltador em forma de peixe.

    ... E, enfim, a primeira tabarana...







    Em poucos minutos e num raio de quinze metros, mais de dez peixes esportivamente capturados. O lugar era mesmo enfeitiçado, repleto de peixes nobres da pesca com mosca. Tucunaré, tabarana e bicuda nadando no mesmo ambiente e sendo fisgados no vadeo, o que mais queríamos?? Conforme a fala de um velho amigo meu: “Só pode ser bruxaria”... kkk... Que nada... era o cerradão abençoado pulsando na veia...o único perigo que pairava em cada passo eram as arraias.









     Embebidos de muita vontade de mosquear por todos os cantos daquele rio, continuamos nosso vadeo...  


Equipo #3 com forte azul de corredeira, com tippet 0,20 mm 
Azul com força desproporcional ao tamanho
O jeito foi persegui-lo



Depois de uma honrosa batalha, a respeitosa soltura.
     Passamos por áreas de domínio de tucunarés e outras de tabaranas. Bastava apenas pinchar a mosca num local promissor que um cardume de balas de prata com cauda vermelha iniciava a perseguição. Quando mordiam as terrestriais ou os andinos, riscavam a água e saltavam freneticamente. Ora o peixe surgia debaixo da mata ciliar, ora das cabeças de pedras no meio do rio ou ora dos corredores de alimentação, dependendo da anatomia que se apresentava em cada trecho. 


Sauá atacando a terrestrial.


Foram vários dublês de pequenas tabaranas
    Os rios de médio porte costumam dar essa liberdade ao peixe, deixando-os caçar com segurança, também, fora dos corredores de alimentação.





Pequeno nativo, valente nas corredeiras. 

     Tinha locais que, em poucos minutos, engatávamos várias tabaranas lado a lado, sem tirar o pé do lugar. O peixe tava bem ativo, nossa leitura dinâmica e a mosca afiada, uma combinação quase infalível, se não fosse pela "expertise" do peixe.










A também ameaçada Tabarana
Martin pescador garantindo sua refeição
Essa intuição foi em homenagem a meu amigo Rafael Pacheco, o Rafa.



Gafanhotos com dorso claro ficam mais visíveis ao mosqueiro nos arremessos mais longos
Popando um GAFANHOTO GO FLY em baixo das matas ciliares explode um azulão no equipo #3 com tippet 0,24 mm

As boas regras não recomendam usar equipamentos leves para peixes grandes, mas os tucunarés entravam por acaso quando nosso alvo eram as tabaranas. 









Os tucunarés selvagens e nativos, da bacia do Tocantins, aparecem com força maior do que os que foram introduzidos no Sudeste Brasileiro, principalmente quando são encontrados nas corredeiras.
Tirando da pauleira

    Numa ocasião o Kelven engatou uma bruta, da boca dura, que com um salto enérgico se desvencilhou do anzol... lá se ia nosso troféu. Mais tarde, o companheiro, no visual, observou uma gigante, que matreira que é, foi-se embora sem nos dar oportunidade de arremesso.


"Pouca-Família" GO FLY = várias ações





     O entrosamento da dupla e o companheirismo foi fundamental para efetivarmos mais de 70 tabaranas, mais de 20 tucunarés, uma bicuda e dois sauás, em apenas dois dias de pesca. Trabalhei bastante o gafanhoto GO FLY com ação pooper para levantar o peixe do fundo, quando ele refugava, vinha o Kelven passando seu andino mais no fundo e pimba!! Era fatal... Inúmeros peixes também foram perdidos durante a batalha. Todos os peixes foram soltos, apenas dois tucunarés foram separados para nosso consumo. Transporte zero, respeitando a Cota-Zero do estado de Goiás.

CULINÁRIA NO ACAMPAMENTO:


Um bom vinho com peixe fresco, com escamas, assado na brasa.
Dentre mais de 20 tucunarés, abatemos apenas dois para nossa refeição.


Arroz carreteiro.
Bisteca suína no fogo de chão
Mudando de ponto:



     No último dia, desmontamos o acampamento, tomamos café da manhã numa propriedade parceira, percorremos mais 130 km e nos apoiamos numa outra fazenda amiga do Projeto Pirapitinga, à margem de um rio pirapitingueiro. O carisma acolhedor dos nossos amigos sertanejos, que não medem esforços para nos agradar, através de gestos singelos, porém sinceros, cheios de dedicação e brilho no olhar.
     Colocamos os pés na água mais uma vez, a água estava extremamente transparente com um leve tom esmeralda. Logo observamos as caudas alaranjadas das pirapitingas quebrando a monocromia da água



     Porém, notamos uma queda acentuada na temperatura da água, que aparentemente deixou o peixe inativo, mas as poucas ações não negaram a raça do símbolo máximo da pesca com mosca no estilo purista do cerrado.






     Vadeio no up stream com moscas terrestriais do cerrado à deriva: nada mais mosqueiro por aqui...
    À noite nossos anfitriões nos banquetearam a base de leitoa caipira à pururuca e frango caipira... nos fartamos e proseamos até bater o sono... 
   Assim, abrimos um novo capítulo do livro da amizade GO FLY, com novas lições que aprendemos e que ainda estamos por aprender, trilhando novos rumos ao GO FLY...
      A volta pra casa: “A poeira do velho estradão, deixou marcas no meu coração e nas palmas das mãos e dos pés...” (Rolando Boldrin). Como é “dilurida” a despedida daqueles rios, daqueles peixes e da vida simples do povo sertanejo que tanto aprendemos a admirar... 

EQUIPAMENTOS RECOMENDADOS (TABARANAS):



Pensando em tabaranas em rios de médio porte, recomendamos:

1-   Varas #4, com tamanho de 7’6” a 8’ de comprimento, com ação moderada-rápida ou rápida. Pra quem tem preferencia por varas moderados, recomendamos a #5, pra quem pesca com varas mais lentas (ex: bambú) recomendamos a #6, não pelo peixe em si, mas para ter mais conforto no arremesso de moscas mais pesadas. Com varas longas o mosqueiro poderá ter dificuldades com a mata ciliar durante os arremessos, mas há quem as prefira. Usa-se frequentemente o Roll Cast com um leve predomínio do False Cast.

2-     Linhas: flutuantes, tipo WF tradicional ou Triangle taper (TT). Em alguns poucos lugares a linha siking tip (que afunda apenas a ponta) poderia ter uma leve vantagem usando andinos, mas como abusamos de terrestriais flutuantes, não valeria a pena perder as ações na superfície. Mesmo em locais mais fundos as terrestriais em movimento "levantam"os peixes do fundo. Mas essa definição ainda está em estudo pelo GO FLY.

3-      Leader cônico 2X ou montados, em torno de 7 pés de comprimento. Tippet: 0,24 mm à 0,28 mm. Tippets mais grossos prejudicam o afundamento dos andinos.   

4-      Moscas: As matadeiras foram Andinos (anzol Chinu 8) de cores claras, Gafanhoto GO FLY (anzol #6 - haste 2XL, usamos o TIEMCO 5262) e Ratos. Também tivemos boas ações com Clouser Minnow e Pouca-família.


Tabarana no Andino
INFORMATIVO AOS PIRAPITINGUEIROS DO CERRADO:



     As revoadas de cigarrinhas do campo estão para explodir no cerrado, começam no calor de agosto e prosseguem até outubro, preparem-se! 





Em breve nova receita GO FLY:


CIGARRINHA DO CAMPO GO FLY.

Grande abraço!

GO FLY