domingo, 24 de junho de 2012

COQUETEL DE EMOÇÃO NA SUPERFÍCIE
Por Leandro Vitorino
Saimon Catoira com seu azulão de 5 kg na Serra da Mesa
Uma boa dose de emoção embebida numa quantia mágica de adrenalina, salpicado por ataques explosivos na superfície bem saboreado numa magnífica captura parece ser uma das porções mais apreciadas pelos pescadores esportivos.


Seja no bait casting ou no fly casting, a ação na superfície é a mais querida, e não é por acaso: às vezes vimos uma perseguição à isca, em algumas apenas o rebojo ou a silhueta do predador de escamas, mas outras surpreendem o pescador com explosões. Tucunarés, traíras, Salminus e Brycons são algumas das estrelas que brilham na superfície, sem desmerecer outras espécies.
Foto: Leandro Vitorino
Após um bom tempo de água, a experiência é convertida em intuições quase sempre certeiras, passando a nos orientar nos arremessos e a pressentir alguns ataques. Como diz o ditado: “pega mais peixe quem mais peixe é”. Ser peixe, nessa colocação, seria pensar como tal. Isso ocorre quando estamos explorando um lugar inédito, com a vara pronta para atirar a isca e num breve momento de observação atenta passamos a “sentir o peixe”.  Os sentidos se aguçam e pensamos em silêncio: “se eu fosse esse peixe eu estaria ali” ...  Concentramos no arremesso e, sem tirar os olhos do local, lá se vai a isca em busca do cobiçado troféu. Mas como nem tudo numa pescaria é pressentível abre-se o portal para um mundo onde tudo pode acontecer. Além de todos esses detalhes emotivos, sabemos que quanto mais dedicação técnica exigir aquela captura, mais saboroso também será o gosto da vitória. Dentro desse contexto, as iscas de superfície são as que mais vislumbram satisfação.




Já é de conhecimento de muitos pescadores que os tucunarés permanecem por mais tempo nas águas rasas durante seu período reprodutivo. Enquanto os tucunarés amarelos permanecem em águas rasas por todo o ano, os cobiçados azulões costumam frequentá-las mais durante a primavera e verão, época em que se reproduzem e cuidam da prole.
Os tucunarés amarelos se dão melhor em águas mais turvas e permanecem em águas rasas o ano inteiro.

Amarelo na Zara
Os Amarelos (C. Kelberi) desenvolvem vários padrões de cores.


Fêmea de tucunaré azul ao lado do ninho. Foto-sub: Leandro Vitorino
Se por um lado a época reprodutiva traz a alegria ao pescador consciente que devolve o peixe a seu habitat, noutro pescadores mostram a face inconsequente dessa época, exterminando grandes quantidades a ponto de comprometerem o equilíbrio e a capacidade de renovação da natureza. No mergulho em apnéia, por exemplo, assistimos cardumes bem distraídos em sua tarefa reprodutiva: nadam destemidos e permitem uma melhor aproximação por parte do mergulhador, a ponto de até um pescador subaquático de baixa qualificação ser capaz de abater grandes matrizes no cardume, alguns covardes ainda aproveitam o instinto de proteção à prole e investem suas flexas contra os casais em sentinela. É claro que não podemos generalizar, pois existem no Brasil admiráveis apneístas que apenas curtem aquele raro e prazeroso contato com os peixes sem lhe causarem mal algum, essa sim é uma atitude nobre e que deve ser parabenizada. Vejam quantos sentimentos diferentes podem existir entre os praticantes de apnéia, quantos graus diferentes de evolução técnica e espiritual ocorrem entre os apneístas. Enquanto um é contemplador e conservacionista o outro pode ser predador e exibicionista.
Grande macho de azul em época de reprodução. Foto-sub: Leandro Vitorino
Deixando um pouco de lado a figura do homem irracional e predador, mesmo porque não merecem lugar de destaque nessa matéria, vamos ao que interessa a nós pescadores conscientes:



No prelúdio da primavera já observamos a formação de grandes cardumes em águas rasas, já no equinócio da primavera a maioria dos casais maduros já se encontram separados do cardume desovando ou protegendo sua prole. No final da primavera e verão encontramos comportamentos totalmente distintos entre os tucunarés, podendo subdividi-los em dois: 1- Casais maduros que se encontram praticamente em jejum, mas que defendem com agressividade sua prole com bocadas, cabeçadas ou rabadas; 2- Cardumes de jovens tucunarés que não conseguiram atingir maturação sexual naquela temporada, mas que caçam durante quase o dia todo. Falar “tucunaré jovem” não significa dizer que são pequenos, pois existem jovens bem grandes. Para esses tucunarés jovens, o período da manhã é dedicado à caça, já com o sol a pino os cardumes tendem a ficar mais “parados”, a temperatura da água eleva-se, aumentando o metabolismo do peixe e ajudando-o a digerir sua comida. No final da tarde os cardumes se movimentam mais uma vez a procura de comida, já que permanecerão em jejum durante a noite. Quando já está para escurecer os peixes procuram os troncos para passarem a noite, isso gera um territorialismo tremendo, os maiores tucunarés escolhem os melhores pontos e investem naqueles menores que tentam “roubar” seu lugar, e se uma isca artificial passar por ali nem se fala... À noite, os tucunarés “adormecem” com sua cabeça voltada para o fundo, instintivamente, o que facilitará sua fuga caso receba uma ameaça. Esses comportamentos ficaram bem nítidos em meus mergulhos no sudeste na temporada reprodutiva dos tucunarés, onde tenho frequentado anualmente desde 1999.
Jovem casal de Tucunaré azul se preparando para sua primeira desova, tucunarés amarelos ao fundo. Foto-sub: Leandro Vitorino
Entender o comportamento dos tucunarés é fundamental para o pescador esportivo. O bom e experiente pescador não depende do mergulho para definir a isca que irá usar ou o local onde ele deve arremessá-la. Mas o mergulho nos agrega conhecimentos sobre a relação entre os peixes em seu meio selvagem o que gera um maior comprometimento com sua preservação, além de entendermos melhor as estratégias de como pescá-los.

Tucunaré azul em postura de territorialismo: nadadeiras abertas e "papo" inflado. Foto-sub: Leandro Vitorino
Azul na Zara. Foto: Leandro Vitorino
A traíra se camufla bem em seu habitat. Foto-sub: Leandro Vitorino



Quando pesco na época de reprodução em locais onde a margem permite a caminhada, gosto de encostar o barco e explorar os locais à pé, já que nessa época os tucunarés estão em locais mais próximos à margem. Essa estratégia integra ainda mais o pescador ao seu ambiente de pesca e ainda evita espantar os tucunarés com a embarcação, fato que muitos já evidenciaram durante uma pescaria: o peixe perseguir a isca até o barco, se assustar e não mais voltar. Outra estratégia que muitos já utilizam no bait nessa situação em que o peixe persegue a isca de superfície sem atacá-la é deixá-la parada numa distância superior à 10 metros do barco, é quase certeiro: a impressão que temos é que o tucunaré fica vigiando aquela isca e ao passarmos com uma isca de meia água próxima àquela parada o ataque vem imediatamente.


Essa é a época ideal para se pescar com iscas de superfície. Com equipamento de bait, as zaras, poppers, hélices, sticks e twitch bait fazem seu balé na água até serem interrompidas pelos poderosos ataques. No fly, surge a grande chance do mosqueiro “arrancar” aquele troféu, uma vez que a maioria das moscas são trabalhadas na superfície ou sub-superfície.

Pescando com mosca:


Enquanto os peixes mais jovens atacam as iscas com mais freqüência, os adultos costumam “estudar” melhor a situação antes de atacá-la, às vezes perseguem a isca por vários metros, desistem da investida e recuam. Nessa situação costumo me dedicar em arremessos longos e caso ocorra apenas a perseguição da mosca, faço o pick up a 10 metros do barco para evitar aproximar o peixe da embarcação. Lembrando que o pick up correto é aquele em que levantamos o máximo de linha para fora d’água para só então fazer a puxada da linha, reduzindo o atrito da linha na água, o que evita espantar o peixe. O pick up correto também evita sobrecarregar sua vara de fly, pois em casos extremos poderá até quebrá-la. No arremesso seguinte costumo impor um recolhimento mais rápido que poderá instigar o peixe ao ataque.


Os jovens tucunarés azuis possuem um padrão "paca" de cor.
Equipamento recomendado pra Serra da Mesa:



Varas #7, #8 e #9 de ação moderada-rápida ou rápida, com 9’ de comprimento. A Serra da mesa sofre muita incidência de vento, quase o ano inteiro. O vento fica forte principalmente após às 9:30 da manhã, até às 16:30 . Nesse momento o mosqueiro deve dar preferência em pescar nas grotas ou recantos como são chamados na SM, pois ventam menos.
Azul no Diver com cabeça de pêlo


Linhas: Floating de cabeça curta (ex: linha Clouser da Rio), não tenho experiência com linhas intermediate para tucunarés, alguns relatam uma boa opção;

Moscas que recomendo:
A traíra erra muitos ataques na superfície. Trabalhar o popper mais lento, pausadamente, é uma boa alternativa.
Traíra com Z popper. Foto: leandro Vitorino
- Poppers e Gênesis (diver criada por Thiago Zanetti) no período da manhã (até às 9:30 hs) e no final da tarde (após às 17 hs). Essas moscas sofrem mais ação nesses horários e são períodos com menos vento e, consequentemente, com menos marola pra atrapalhar a ação do Popper. Não use poppers grandes, são mais difíceis de pinchar e não tem necessidade. Não use poppers com anzóis que tem o gap muito fechado, não fisgam bem o peixe. Os poppers de cabeça curta se dão melhor que os pencil poppers. Não ate a Gênese com anzol muito grosso, pois pesam mais a mosca, comprometendo a sua flutuabilidade e funcionamento.


- Streamers de +- 15 cm, com EP ou Craft fur com cores cítricas ou todo branco com cabeça vermelha ou rosa, com brilho. Fazer listras verticais nas moscas de EP com canetas de DVD também atrai melhor o peixe, pois o movimento horizontal da mosca com listras verticais provocam uma maior sensação de movimento, instigando o predador ao ataque. Outro fator é que tanto os pequenos tucunarés, jacundás e outros pequenos ciclídeos (cará ou corró), que são presas naturais dos tucunarés da Serra da Mesa, possuem listras verticais.

Leader:

Uso Leaders de 1,5 m à 1,8 m;

Pra quem usa leaders cônicos, o 0x e o 1x são suficientes;

Fórmula de leader montado em duas partes para SM:

110 cm de fluocarbon 0,50 mm + 50 cm de fluocarbon 0,40 mm

O fluocarbon de 0,40 cm terá uma resistência de +- 20 libras, suficiente para a pesca na SM.            

Pesque e mergulhe consciente:


Ainda não existem leis ou fiscalização que protejam adequadamente os tucunarés do sudeste ou da Serra da Mesa, nem mesmo no seu período reprodutivo, sendo abatidos em várias modalidades de pesca. Acredito que independente da modalidade que se pratique, o que vale mesmo é exercitar a pesca consciente, da maneira menos agressiva ao ecossistema aquático, de forma que a captura seja prazerosa ao pescador e que ao mesmo tempo o peixe sofra o mínimo possível, sendo devolvido ativo e próximo do seu território! Lembre-se que abater uma grande matriz é enfraquecer o potencial genético do cardume. A época reprodutiva é, indubitavelmente, o melhor momento para os pescadores esportivos obterem ações na superfície e também o melhor instante para os apneístas “capturarem” boas fotos subaquáticas dos grandes troféus. Portanto, pesquem e mergulhem conscientes!


OBS: No texo acima escrevi muitas colocações pontuais de números, horários, meses e tamanhos. Sabemos que existe uma série de variações possíveis, mas coloquei dessa forma para ser mais didático e gerar menos confusão ao leitor.

Att,

Leandro Vitorino