O IMPÉRIO:
Há algum tempo, grande parte do cerrado do centro-oeste brasileiro se transformou em um mar de águas azuis com a construção do maior lago artificial das Américas, ocorrendo uma drástica alteração do seu cenário e de seus habitantes. O manto verde que cobria os vales, após ser inundado, serviu de matéria orgânica para compor a base de uma nova cadeia alimentar que se formava.
Locais onde, outrora, eram habitados por répteis e mamíferos terrestres se transformaram em território de caça para tucunarés, bicudas e bagrídeos, além de servirem de morada para uma infinidade de outros seres aquáticos. Logo após a formação do lago da Serra da Mesa muitos assistiram a uma explosão de vida aquática. Pacus, matrinxâs, piabanhas e piaus se esbaldavam com tanta fartura de alimento. Logo, os tucunarés nativos se reproduziram em grande escala, disseminaram e exigiram o seu território. Eram cardumes e mais cardumes de sumir de vista.
Com a deterioração e consumo da vegetação alagada, o combustível alimentar foi se esgotando, causando um emagrecimento da pirâmide alimentar dos peixes. Além disso, a enorme pressão de pesca também contribuiu para a redução acelerada dos estoques pesqueiros.
Há alguns anos, o lago vinha sofrendo uma queda importante do seu nível de água, distanciando a mata ciliar de sua margem, alcançando até trinta metros de distância de solo descoberto, expondo animais terrestres a caçadores ilegais quando estes iam beber água.
No último ano, por exigências políticas, o lago voltou a subir e já toca sua mata ciliar, fornecendo sombra e alimento para os peixes, com previsão, para os próximos anos, de restauração de sua fauna aquática e terrestre.
Assim, se os pescadores praticarem a pesca responsável, poderão vivenciar novamente tempos de glória. A população consciente e os guias capacitados pelo Programa Nacional de Desenvolvimento da Pesca Amadora (PNDPA) pedem colaboração a todos que visitarem o lago nessa nova fase de esperança.
As incríveis ações do seu imperador:
Nossa expedição ao lago foi feita no mês de novembro e, para escapar um pouco das chuvas e ventos, realizamos nossa pescaria em locais mais abrigados. Exploramos várias grotas, pontas e ilhas protegidas por altas colinas que as circundavam.
No início da manhã e no final da tarde tivemos ações por todos os lados e profundidades, mas quando o sol estava alto os tucunarés partiam para o fundo ou se abrigavam nas sombras das sambaíbas (principal árvore que compunha as margens). Para isso, nossa tralha foi composta de iscas artificiais que trabalhavam em profundidades diferentes.
Pesquei na maior parte do tempo com fly, utilizando equipamentos #5, #7 e #9, com linhas WF-F e, como iscas, poppers, divers, deceivers e clouser minnow, entre outras. A transparência da água era tanta que mesmo em drop-offs abaixo dos cinco metros era possível ver a subida dos grandes azuis ao ataque das iscas na superfície.
Ao mesmo tempo em que a transparência da água favorecia a visualização da mosca pelos peixes que estavam mais ao fundo, também exigia arremessos mais longos (acima dos vinte metros), pois evitava que os peixes nos vissem durante a subida à superfície.
Encontramos alguns cardumes de bons tucunarés alvoroçados. Acreditem se quiser: alguns “tucunas” chegaram a acompanhar a movimentação da mosca no ar, nadando pra lá e pra cá e, quando a mosca tocava na água, era rapidamente atacada. A captura de um azul de aproximadamente 3 quilos no meu equipamento #5 me deixou meio apreensivo, mas a ausência de estruturas submersas, naquele local, me ajudou a trabalhar bem o peixe.
Alguns grotões eram literalmente dominados por um único casal de tucunarés azuis, apenas mais alguns tricks se escondiam na vegetação das margens.
Uma cena que deixou todos da embarcação boquiabertos foi ver, ao lado do barco, um pequeno tucunaré que brigava na isca do meu companheiro, Saymon Catoira, ser arrancado dos anzóis por um enorme azulão. Isso me deixou ainda mais a vontade para substituir meus deceivers por poppers e poder sentir as explosões na superfície. Tucunarés com até cinco quilos atacaram com astúcia as moscas trabalhadas com uma maior velocidade.
O Popper era apresentado nas sombras das sambaíbas semi-submersas; quando não era atacado logo nos primeiros toques, ainda na sombra, um risco azul de anil rasgava a água enfurecido e, na maioria das vezes, encharutava o pequeno Popper. O grande azul interrompia o “ploc” rítmico da isca com uma bocada certeira, levantando água para todos os lados, firmando assim, o seu imperialismo sobre a grota. Poppers completamente destruídos e com anzóis abertos foram o que restou das batalhas com os fortes tucunarés que provaram seu sabor. São essas e outras qualidades que fazem do tucunaré o ciclídeo de maior importância na pesca esportiva mundial.
Visitamos alguns braços do lago nos quais desaguavam lindas cachoeiras, locais que ofereciam uma maior oxigenação e eram infestados por lambaris. Apesar de esses locais possuírem uma água mais fria, o que não costuma agradar muito os tucunarés, alguns cardumes acabavam invadindo esses recantos fartos de presas “fáceis”. Soubemos aproveitar muito bem a visitação dos azuis a esse banquete, capturando alguns belos tucunarés.
Traíras, bicudas e até o exótico jacundá-açú rechearam ainda mais nossa aventura. Vários dublês foram embarcados. Quando os tucunarés enroscavam nas estruturas submersas, mergulhava para desprendê-los e era uma boa oportunidade de dar uma espiada no cardume.
Num final de tarde, um imenso cardume de tucunarés fez pulsar o restinho de adrenalina que ainda restava em nossas veias. Eu e meu amigo tínhamos nada menos que cinco bons tucunarés engatados ao mesmo tempo na ponta de nossas linhas.
Nos últimos minutos da luz do dia, Saymon brigou com um enorme peixe que atacou sua Birutinha J, verde limão. Era mais de cinco quilos de tucunaré azul levando muita linha para o fundo da grota. Em alguns minutos o grande imperador de anil foi dominado e encheu os olhos do amigo de tanta satisfação. Com todo o seu merecido respeito, o grande azul retornou ao seu império. Fiquei tão encantado com o peixe que ainda fiz um mergulho para apreciá-lo embaixo d’água, e lá estava ele, descansando ao lado de uma pedra, se recuperando da batalha. Realmente, o tamanho da sua silhueta fazia qualquer outro tucunaré respeitar o dono daquela grota quando a visitasse. O mergulho no Império de anil:
A Serra da Mesa está situada na região centro-oeste do Brasil, apresentando uma temperatura mais alta do que o sudeste, permitindo que os tucunarés se reproduzam praticamente o ano inteiro, com uma maior intensidade durante a primavera, entre os meses de setembro a novembro. A alta temperatura de suas águas mantém o metabolismo do peixe mais acelerado, um dos motivos que fazem os tucunarés da região caçar mais intensamente e ter um desenvolvimento mais rápido, sendo possível observar tucunarés azuis de até dois quilos com sinais de imaturidade sexual, como as pintas brancas pelo corpo, face e nadadeira dorsal e caudal, erroneamente chamado de tucunaré paca. O territorialismo dos tucunarés é tão grande que presenciei um casal de grandes azuis defendendo um tronco que ainda nem sequer haviam postado seus ovos.
Cardumes imensos encostavam-se às ilhas no fim de tarde para fazer sua última caçada do dia; ficavam tão distraídos com a caça que chegavam a quase tocar a lente da minha câmera de mergulho, sem importarem com minha presença.
O “vôo” rasante das arraias-fogo engrandece ainda mais aquele paraíso. São poucos segundos em que toda a beleza do mundo parece estar concentrada em um só ponto da Terra.
Dicas técnicas:
Os tucunarés nativos da região da Serra da Mesa preservam uma agressividade impressionante, possuindo uma menor seletividade as iscas, quando comparado com os tucunarés do sudeste brasileiro, mas ficam ariscos quando enxergam a embarcação.
Para melhorar o casting e conseguir arremessos mais longos das moscas que apresentam uma maior resistência no ar, como poppers e streamers mais volumosos, é recomendável utilizar um leader mais curto.
Atei a seguinte montagem do leader cônico: 80 cm de nylon 0,60 mm, 50 cm de nylon 0,50 mm e tippet de 40 cm de fluorcarbono 0,40 mm, formando assim, um leader de 1,7 metros de comprimento.
É imprescindível que o mosqueiro domine o movimento de double roll ou puxada dupla, pois esse é um movimento que permite o pescador realizar lançamentos mais longos. A vara em posição mais lateralizada também facilita o back cast quando temos o vento nas costas.
Outras dicas:
O município de Niquelândia é o maior do estado de Goiás e cerca boa parte do lago; ao lado, temos o município de Colinas do Sul, que possui bons pontos. A Serra Negra também é uma ótima opção do lago. Existem várias pousadas na região, podendo ser pesquisadas pela internet, mas, por opção própria, levamos a nossa embarcação e acampamos em Colinas do Sul. Fomos conduzidos por um bom guia local, que conhece muito bem a região e foi fundamental para o sucesso da pescaria. Seu nome é Edemilson, mais conhecido como “Pé na cova” (62-96574552), treinado pelo PNDPA e que merece o reconhecimento pela sua companhia agradável e pelo comportamento respeitoso com a natureza.
Fotos: Saymon Catoira
Obrigado pela visita!
Equipe Gofly